A nova forma de Amar!

Há uns dois anos, mais ou menos, conheci o trabalho do Dr. Flávio Gikovate, psicoterapeuta. Tive acesso ao seu trabalho através da rádio CBN onde ele tem um programa dominical. O interessante, é que na mesma época eu estava passando por uma separação afetiva.

Ao conhecer essa nova forma de encarar os relacionamentos afetivos apresentada pelo Dr. Gikovate, confesso que em um primeiro momento, foi algo estranho e até cheguei a discordar de alguns tópicos. Mas, com o tempo, fui percebendo a lógica dessa nova forma de encarar os relacionamentos e o quanto é benéfico estarmos conscientes do que queremos dentro de um relacionamento e o que esse relacionamento significa para nós, e o mais importante, saber o momento certo de sair e aprender a ficar só e sereno, quando isso for necessário.

Por isso, é importante estarmos abertos ao novo e deixar para trás conceitos arraigados. Abaixo segue trecho da Entrevista do Dr. Flávio Gikovate para a revista Época onde ele apresenta sua teoria sobre o amor.


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ÉPOCA - O amor morreu?
Flávio Gikovate - Morre um tipo de amor e nasce outro. Só mantive o nome porque as pessoas amam essa palavra “amor”. Mas devia ter outro. Sempre existiu uma sensação de incompletude, desde o nascimento do indivíduo, mas a maneira como esse vazio é preenchido varia de época para época. Amor é o sentimento que se tem pela pessoa com a qual você supre a sensação de desamparo.

ÉPOCA - Como as pessoas lidam com esse vazio?
Gikovate - Na época do clã, o vazio era preenchido pelo núcleo familiar. A mulher ou homem casavam-se e quase nem percebiam mudança porque tinha a religiosidade, a comunidade, um monte de coisas que não existem mais. Quando veio a Revolução Industrial, os jovens saíram da área rural e a relação homem-mulher ganhou uma intensidade e um caráter de dependência muito grande. Você passou a ter um núcleo familiar muito aconchegante e necessário, com todos os defeitos que se sabe, mas com a idéia de amor romântico. Com a Segunda Guerra Mundial, dois fatores modificaram esse equilíbrio. As mulheres, que tinham começado a trabalhar, não pararam. E, nos anos 60, surgiu a pílula anticoncepcional. Junto a isso, a mulher estava independente economicamente e sexualmente dona de si.

ÉPOCA - Qual o impacto disso para o modelo de família?
Gikovate - Foi o fim da estabilidade conjugal. Passou a haver divórcio, o que é uma grande mudança. As pessoas solitárias começaram a deixar de ser estigmatizadas. Claro que ainda há resquícios do jeito antigo, tem gente morando ainda em área rural, com arranjos de família como antigamente, com casamentos por interesse. A necessidade de independência vem desde cedo no ser humano. O adulto é como a criança: quer estar no colo da mãe mas também quer brincar. Só que mudaram as prioridades. Antes, entre esse desejo de colo e de individualidade, ganhava loucamente o amor. Hoje, ganha a individualidade. Até porque antes não se tinha nada para fazer com ela. Não tinha televisão, meio de transporte. Trabalhava-se de sol a sol e, no domingo, o máximo que se podia fazer era descansar. Hoje temos inúmeras tecnologias, 100 canais de TV que facilitam os momentos de lazer individuais. Você ouve sozinho suas músicas no iPod. Um dos símbolos dessa mudança na direção dessa individualidade foi quando, com o rock’n’roll, as pessoas passaram a dançar sozinhas.

ÉPOCA - No livro, o senhor chama essa relação de +amor. Como ele é?
Gikovate - É algo mais parecido com a amizade, porque é aproximação de duas unidades, não a fusão de duas metades. A idéia de fusão de duas metades – que é meio bíblica – acabou. Não há mais lugar para isso. A fusão de duas carnes funcionava até pouco tempo porque eram duas carnes com só um cérebro: o homem. A mulher oficialmente não pensava. Mas com a independência econômica e sexual da mulher, chegou também a intelectual. O futuro é muito curioso, porque se você olhar, 60% dos estudantes universitários são mulheres. O que isso significa? Se for verdade que a média de ganho salarial dos que têm nível universitário é superior à média de ganho de quem estudou menos, que daqui a 20 anos a média das mulheres vai ganhar mais que os homens. Por isso, não sei nem se as mulheres vão querer mais casar. As mulheres sempre foram casadoiras porque o casamento aparecia como um bom negócio. Mas hoje elas não precisam casar para ter vida sexual, para ter filhos. Vamos ver quantas mulheres vão querer casar só por amor. Isso de que as mulheres são mais românticas é uma mentira desvairada. As mulheres sempre tiveram uma visão mais matrimonial, que não é romântica, é prática.

ÉPOCA - Sem casamento, o que vai acontecer?
Gikovate - Cada um vai ter que se resolver em si mesmo. Uma vez que cada um compreende isso e preenche o buraco aqui (aponta para o estômago), o outro passa a ser apenas um companheiro de viagem. É essa visão do amor como remédio que depois torna tão difícil a separação. Porque quando as pessoas sentem de novo o buraco, confundem isso com a dor da separação. Mas ele já existia antes! Foi ele que trouxe a aliança amorosa! Ele existe desde o nascimento e reaparece. Por isso é preciso resolver em si mesmo. Entre amor e individualidade, opto pela individualidade.

ÉPOCA - O amor nunca é bom?
Gikovate - Não. Porque ele é possessivo, ciumento, opressivo, sufocante. Falta o ar! Óbvio que entre pessoas com afinidades maiores, que é algo que aparece na paixão, há um sentimento bom, mas dá um medo danado. Precisa passar o medo também. No meu programa de rádio apareceu um ouvinte que dizia: “sempre escolho namoradas ótimas – só que começa a esquentar, eu fico com medo e termino. Já perdi namoradas maravilhosas porque eu caio fora”. Então, quando é bom, foge! Assim é difícil que seja bom.

ÉPOCA - Qual o medo dessas pessoas?
Gikovate - De perder a individualidade. E medo da felicidade. É assim: quando tudo está bem, as pessoas acham que vai cair um raio na cabeça. Parece que a felicidade atrai uma tragédia. O medo da felicidade está na origem da superstição. As pessoas batem na madeira, fazem figas, vários rituais de proteção. É como se a felicidade repetisse o problema do parto outra vez. O primeiro registro cerebral é que estava tudo bom no útero. O segundo é a dramática ruptura. Então o indivíduo fica achando, quando está tudo bem, que vai haver outro Big-Ben.

ÉPOCA - E se a pessoa não foge?
Gikovate - Se não foge, chega uma hora que começa a sufocar pela falta da individualidade de novo. Na verdade, o sentimento dessas pessoas que ficam juntas vai se atenuando com o tempo. O medo vai diminuindo junto com a vontade de ficar grudado. E vai aumentando a individualidade. É como se o amor bem resolvido curasse o indivíduo do mal de amor. Como a criança que, resolvendo o problema aqui (aponta para o estômago), vai ficando mais segura para querer sair do colo.

ÉPOCA - Para isso é necessário ter passado pelo estágio da paixão?
Gikovate - Historicamente, sim. Mas acho que a nova geração pode pular tudo isso e ir direto. Basta que você tenha um estágio de agüentar-se sozinho e depois buscar numa pessoa afinidades principalmente de caráter intelectual. Amor significa aconchego físico e amizade é afinidade intelectual. Que também é aconchegante. Conversar com uma pessoa e ter a sensação de que ela o entende é um aconchego extraordinário – e bem mais sofisticado que o do bebê que fica no colinho.

ÉPOCA - Mas por que grandes amigos muitas vezes não emplacam um namoro?
Gikovate - Porque as pessoas não agüentam a felicidade, então namoram com inimigos em vez de namorar com amigos. E tem o elemento sexual. Quando encaixa em cima, parece que desencaixa embaixo. O que acabou por redundar numa estrutura sócio-cultural na qual o sexo está comprometido muito mais com agressividade que com amor. Essa é que é a triste verdade. É como se ternura e tesão competissem. Onde cresce um, diminui o outro.

ÉPOCA - Como resolver isso?
Gikovate - Isso é temporário. Se você pegar um amigo que é um cara legal mas em quem você não tem tesão, vá assim mesmo que o tesão aparece. Agora, se você pega alguém que tem tudo a ver sexualmente mas não tem nenhuma afinidade intelectual, essa afinidade não vai aparecer com o tempo. +amor é amizade com sexualidade. A sexualidade tem que ser transferida do domínio da raiva para o da ternura.

ÉPOCA - E o +amor é monogâmico?
Gikovate - Absolutamente monogâmico. Qualquer pessoa com um pouco mais de discernimento enjoou desse negócio de ficar transando sem envolvimento sentimental. É muito chato! É modinha! Mesmo para os homens – e para os machistas. Eles querem sumir do lugar depois que gozam. É só pressão cultural. O sexo mamífero, sem caráter sentimental, está com os dias contados. As pessoas fazem porque se acham obrigados, mas saem absolutamente desgostosos. Não estou defendendo o casamento monogâmico eternamente. O que digo é que a lealdade, a cumplicidade que se constitui dentro das relações de qualidade, não combinam com a idéia de sacanear um ao outro. Se o trato do casal for de cada um praticar sexo por aí, vá fazer. Mas vai enjoar também.

ÉPOCA - É possível ser feliz sozinho?
Gikovate - Conseguindo ficar razoavelmente bem sozinho, você tem duas opções: ficar sozinho ou encontrar um parceiro com o qual você acha que valha a pena jogar o jogo da vida em dupla. Deixa de ser necessário e passa a ser uma escolha. Mais do que isso: uma possibilidade, porque depende de encontrar o parceiro. Existem três estados civis: mal-casado, solteiro e bem-casado. O bem-casado nem sempre decide quando isso vai acontecer. Depende de aparecer uma pessoa igualmente pronta para isso. Não é fácil nem dá para escolher a hora. Então você fica um tempo sozinho. E muitos do que passam um tempo sozinhos acabam gostando. Ser mal-casado é pior.

ÉPOCA - O que fazer para transformar uma relação de amor convencional em +amor?
Gikovate - Eles vão ter que sofrer um pouquinho. Vão se aprimorar lenta e progressivamente. Tem um momento que dói. Um dos dois vai reclamar primeiro do sufoco. O outro vai ficar ofendido, mas vai aproveitar para afrouxar o vínculo também. Momentaneamente há uma crise. Mas casais que se gostam mesmo, que se respeitam, que têm afinidade, passam por essa crise. E reconstituem a aliança em termos mais individualizados. E entendem que, se um não gosta de ópera, não tem por que ir com o outro e ficar dormindo durante a apresentação. Se você fizer a opção pelo amor e não pela individualidade você se estrepa todo. Se um dos dois renunciar a um projeto pessoal pelo amor, dali a dois anos um está com raiva do outro. Porque abriu mão de seu sonho pessoal. Não pode! Antigamente só um tinha sonho pessoal. Mas não é mais assim. O mundo mudou, só estou propondo atualizar.

ÉPOCA - O senhor vive uma relação de +Amor?
Gikovate - Cheguei lá, mas não nasci assim. Estou casado há 32 anos e comecei com uma paixão que tive coragem de transformar em casamento. Teve um tempo de fusão e depois um de “desgrudação”. Está tudo registrado: escrevi um livro para cada época.


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Comentários (2)

  • Malu Denunciar

    Bárbara reportagem, é exatamente isso que sempre pensei sobre o amor;no momento sou divorciada - melhor só que mal casada - estou numa boa fase sozinha mas pretendo seguir para a próxima etapa ou seja ser bem casada.

  • Ana Denunciar

    MUITO BOM

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