A Mente Revoltada
É incrivelmente difícil separar o indivíduo da massa e, no entanto, sem essa separação, não é possível existir realidade. De forma que o verdadeiro indivíduo não é aquele que tem um nome, certas respostas emotivas, certas reações habituais, algumas propriedades e assim por diante, mas sim aquele que se esforça por transpor todo esse emaranhado de idéias, de acúmulo de tradições, que põe tudo isso de lado e tenta descobrir a razão, o fulcro, o centro da miséria humana. Tal pessoa não se apóia em livros, em autoridades, em costumes muito conhecidos, pelo contrário, rejeita-os e começa a questionar — é esse o verdadeiro indivíduo. A maioria de nós repete, aceita, segue, imita, obedece — não é mesmo? — porque para nós obediência transformou-se em lei — obediência em casa, obediência ao texto, obediência ao guru, ao professor e assim por diante — e nessa obediência sentimos firmeza, segurança. Atualmente, porém, a vida não tem firmeza, não tem jamais segurança, é a coisa mais incerta. E, pelo fato de ser incerta, ela é também profundamente rica, incomensurável. Mas a mente, em sua busca, procura proteção e segurança e, por conseguinte, obedece, segue e imita; e esse tipo de mente não é, em absoluto, uma mente individual.
Nós, de um modo geral, não somos indivíduos embora tenhamos nossos próprios nomes, nosso próprio corpo, porque, por dentro, nosso estado mental está vinculado ao tempo, arcado ao peso dos costumes, da tradição e da autoridade — autoridade do governo, autoridade da sociedade, autoridade do lar. Essa mente não é uma mente individual; a mente individual está longe de tudo isso; está fora dos padrões da sociedade. A mente individual é uma mente revoltada e, por conseguinte, não busca segurança. Mente revolucionária não é o mesmo que mente revoltada. A mente revolucionária visa alterar as coisas de acordo com um certo padrão, e essa mente não é uma mente revoltada, não é uma mente que esteja insatisfeita consigo mesma.
Não sei se vocês já observaram que coisa extraordinária é a insatisfação. Vocês conhecem muitos jovens insatisfeitos. Eles não sabem o que fazer; sentem-se miseráveis, infelizes, revoltados, buscando isto, tentando aquilo, fazendo perguntas intermináveis. Mas quando crescem, arrumam um emprego, casam e esse é o fim de tudo. Sua insatisfação fundamental é canalizada e, depois, a infelicidade assume o comando. Quando jovens, seus pais, seus mestres, a sociedade, todos lhe dizem que não se sintam insatisfeitos, que descubram o que querem fazer e o façam — tudo, porém, dentro dos padrões. Esse tipo de mente não é revoltada e você precisa de uma mente realmente revoltada para encontrar a verdade — não de uma mente conformada. Revolta significa paixão.
De forma que é muito importante ser um indivíduo e só existe individualidade através do autoconhecimento: conhecer a si próprio, saber por que você imita, por que você se conforma, por que você obedece. Você obedece porque tem medo, não é verdade? Devido ao desejo de sentir segurança, para ter mais poder, mais dinheiro ou mais disto ou mais daquilo, você se conforma. Mas para descobrir o que você chama de Deus, para descobrir se existe ou não essa realidade, precisa existir o indivíduo, um indivíduo que esteja morto para o passado, que esteja morto para o conhecimento, morto para a experiência; precisa existir uma mente que seja inteiramente, totalmente nova, pura, inocente. Religião equivale à descoberta do que é real, o que significa que você deve descobrir e não seguir alguém que diga ter descoberto e deseje lhe falar a respeito. É preciso existir uma mente que acolha essa realidade, não uma mente que simplesmente aceite essa realidade oralmente e que se conforme com essa idéia de realidade na esperança de se sentir seguro.
Existe, pois, uma diferença entre saber e sentir, e acho muito importante entendê-la. Para nós são suficientes as explicações, isto é, “saber”. Dizemos: “Eu sei que sou ambicioso, sei que sou invejoso, sei que odeio”, mas saber não significa estar livre da coisa. Você pode saber que odeia, mas o verdadeiro sentimento de ódio e o libertar-se dele são coisas completamente diferentes da busca de sua explicação e de sua causa, não é mesmo? Isto é, saber que sou chato, estúpido e estar realmente consciente do sentimento da minha estupidez, da minha chatice, são duas coisas completamente diferentes. Sentir envolve uma grande dose de vitalidade, uma grande dose de força, de vigor, ao passo que saber representa apenas uma abordagem parcial da vida, não uma abordagem global. Você pode saber botanicamente como é constituída uma folha, mas senti-la, cheirá-la, vê-la realmente requer uma grande dose de penetração — de penetração para dentro de si mesmo. Não sei se alguma vez você teve uma folha entre as mãos e contemplou-a. Vocês são todos cidadãos urbanos, todos muito ocupados consigo mesmos, com seu progresso, com seu sucesso, suas ambições, invejas, com seus líderes, seus pastores, e com mais um monte de tolices. Isso é trágico porque, se vocês soubessem sentir profundamente, sentiriam muito amor, fariam alguma coisa, agiriam com todo o seu ser; mas se vocês apenas sabem que existe pobreza, apenas trabalham intelectualmente para removê-la, como funcionário do governo federal, estadual ou municipal, sem recorrer ao sentimento, o que vocês fazem tem muito pouca importância.
Vocês sabem, a paixão é fundamental à compreensão da verdade — estou empregando a palavra paixão em sua ampla acepção — porque é essencial sentir fortemente, sentir profundamente, com a totalidade do seu ser; de outro modo, essa estranha coisa chamada realidade jamais virá a seu encontro. Mas suas religiões, seus santos afirmam que vocês não devem ter desejos, que devem controlar, reprimir, superar, destruir, o que equivale a irem ao encontro da verdade arrasados, desgastados, escravizados, mortos. Vocês precisam sentir paixão para enfrentar essa estranha coisa chamada vida e vocês não podem sentir paixão — que é sentimento intenso — se estão hipnotizados pela sociedade, pelos costumes, enroscados em crenças, dogmas, rituais. Portanto, para entender essa luz, essa verdade, essa realidade incomensurável, precisamos, antes de tudo, entender aquilo que chamamos religião e livrar-nos dela — não com palavras, não com o intelecto, não com explicações, mas livrar-nos realmente; porque liberdade — não sua liberdade intelectual, mas o verdadeiro estado de liberdade — confere vitalidade. Depois de vocês terem caminhado através de toda essa bobagem, depois de terem posto de lado todas essas coisas confusas, tradicionais, imitativas, a mente se sentirá livre, a mente estará alerta, a mente sentirá paixão. E só essa mente é capaz de ir avante.
Fonte: Trecho do Texto "Mente Revoltada" de Jiddu Krishnamurti
Comentário (1)
Não gostei do texto apesar de muito bem escrito(rs,uma mente revoltada segundo o texto deve ser livre e quem o escreveu demonstra o tempo
preconceito contra a religião como sendo esta castradora, ninguém é obrigado a ter religião mas os que quiserem têm o direito e de seguir e agir sim segundo suas crenças.Liberdade não está somente em ser do contra ou em não querer se submeter está também em querer ser igual.Já dizia o ditado "o que é de gosto,regalo da vida".E# principalmente é preciso que haja respeito a vontade do outro e não se achar nunca(às vezes difícil)o dono da verdade.Não tenho uma mente revoltada,tenho uma mente pensante,não sou maria vai com as outras mas se me der vontade "Mariarei",por quê não?!